Criar porcos era comum numa família como a nossa, vinda do Bailique e acostumada a ter no quintal muitas galinhas, patos e outros animais digamos que, comestíveis. Portanto o “oinc, oinc” que a gente vê nas metáforas dos quadrinhos era normal, no quintal sempre tinha um ou mais porcos que passavam o ano sendo alimentados e engordados para serem servidos nas festas de fim de ano. Quem já criou, sabe que estes porcos não comiam ração, eram alimentados do que restava de nossos almoços,talvez por isso ficassem mais gostosos depois de ir para o fogo.
O chiqueiro ficava nos fundos do quintal, antes que as leis ambientais proibissem esse tipo de criação, até porque geralmente o vizinho de trás também criava seu cuchito. Minhas irmãs contam a história de um porco tão enjoado, mas tão enjoado, que não podia ver ninguém que gritava estridentemente até que levassem a ele nem que fosse um pedaço de pão. O problema era acordar sem fazer barulho para que o porco não começasse a gritaria naquela hora em que o Pai Velho e o Pai D’égua ainda estavam no ar. A casa, metade madeira e outra metade alveraria, tinha que ser percorrida no mais absoluto silêncio, sem as tábuas rangerem e a panela pra fazer o café tinha que ser deixada na véspera em cima da pia pra evitar barulho. No menor vacilo o desgraçado se danava a gritar e acordava a vizinhança e quem ainda dormia em casa.
Tem também a história de outro porco que há muito foi servido em alguma ceia de algum ano. Um dia ele resolveu gritar sem que alguém soubesse o motivo de tanto barulho. Meus pais em Belém foi o jeito meus irmãos socorrerem o bicho que estava desesperado. Desconfiaram que era algo engatado na garganta do animal e tentaram de toda forma tirar, sem ter que fazer a nojeira de meter a mão na boca do bicho e ainda correr o risco de ser mordido. Apelaram para o absurdo e chegaram ao cúmulo de dar óleo de panela pra ver se a tal coisa escorregava garganta abaixo. Pra salvar o animal o jeito foi minha irmã meter a mão e do céu da boca tirou o objeto que tanto agoniava o porco, para que ele parasse de se esgoelar de dor.
Mais um fim de ano está chegando e o antigo costume foi levado para longe da cidades. É mais prático encomendar dos criadores ou comprar o pernil no supermercado. Foi em um fim de ano destes novos tempos que o papai encomendou um barrasquinho que seria assado inteiro em forno de padaria e recheado e enfeitado em casa para a ceia de Ano Novo. Na manhã do dia 31 chegou o animal abatido e limpo, foi só temperar com os ingredientes ditados pelo Júnior e levar pra padaria de onde seria devolvido assado no final da tarde. O Júnior é um amigo que sempre é chamado para fazer as comidas destas datas, chegou cedo com as receitas e uma novidade especial que seria apresentada à família e convidados, uma espécie de “suíno enfrescalhado”. Entregou a relação dos ingredientes, um mais fino e caro do que o outro, e passou o dia inteiro fazendo as outras comidas e criando expectativa quanto à surpresa que todos teriam ao deliciar o tal prato chiquererérrimo.
No começo da grande noite o Júnior foi pra casa tomar banho e só viria daqui a pouco pra enfrescalhar o cuchito. Foi nesse intervalo que o porco chegou da padaria, digamos que mais bronzeado do que a Globeleza em época de carnaval. Bom, se eu levei um susto, fiquei imaginando o que aconteceria com meu afetado amigo cozinheiro. Me preparei para ouvir reclamações até o fim do ano que iria iniciar. Ele chegou, e com o exagero dos que se abalam por tudo, deu um grande grito quando levantou o papel alumínio e viu o prato principal quase churrasco. Chegou a passar mal e se abanando, almaldiçoou o responsável pela tragédia que tinha acabado com o seu reveillon. Depois de passado o susto, tomou um bom vinho e resolveu não sofrer mais com o acontecimento. Começou a enfeitar. No lugar do olho uma uva, ficou um porco de olho verde, parecia até meio zumbi, o detalhe final era a maçã na boca do bicho pra dar aquele ar de ceia de desenho animado. O porco tinha assado tanto que a mandíbula não abriu o suficiente e a maçã escolhida a dedo pra tal datalhe não tinha cristão que fizesse entrar na boca-focinho. Mais um chilique do Júnior e eu sugeri que se não dava pra entrar a maçã, era o jeito colocar outra fruta, quem sabe uma mais regional, açaí talvez coubesse na abertura. A alternativa mais chique e à mão foi um pêssego em caldas que por sua estrutura mole, parecia que o porco queimado a tinha amassado com a força do dente.
Depois dessa, nada mais abalava meu frágil amigo que correu pra tomar mais um banho porque foi muita emoção num só turno. Nesse meio tempo entre o susto e o banho, meu irmão chegou perguntando se tinha algo pra beliscar e mamãe respondeu que podia pegar qualquer coisa. E lá foi direto pro apetitoso porco que, mesmo um pouco tostado, ficou com uma aparência digno da noite de festas. Tirou um naco da parte mais carnuda do animal e mandou ver. Quase dez da noite e eu vi a desgraça, imaginei a cara do Júnior quando visse o buraco deixado. Pressentimento acertado, grito, escândalo e outros chiliques chamou atenção de todos em casa. Sentado numa cadeira, se preparando pro último fricote do ano, Júnior quase chorava ao se torturar olhando o buraco. Depois de tudo, puxou o fôlego e resolveu usar o “disfaceitor tabajara”. Encheu as ancas do porco de frutas o que acabou transformando-o num legítimo mascote da parada gay. Moreno, todo aberto, de bruços, um pêssego na boca, recheado de frescuras, rodeado de mais frescuras, enfeitado com os mais finos ingredientes e cheio de fruta na bunda! Foi esse o porco que não vimos gritar no quintal mas que deu mais trabalho que qualquer um deles.
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Mariléia Maciel
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