A Deusa foi a primeira divindade cultuada pelo homem pré-histórico. As imagens encontradas em vários sítios históricos e arqueológicos do mundo representavam a fertilidade - da mulher e da própria Terra. E por ser a mulher a doadora da vida associou-se à Fonte Criadora Universal a condição feminina e a Mãe Terra tornou-se o primeiro contato da raça humana com o divino.
A nossa sociedade ocidental formada sob os conceitos da mitologia judaico-cristã afastou-nos de nossas origens. Fomos condicionados por uma cosmologia desprovida de símbolos do Sagrado Feminino, a não ser Maria, Mãe Divina, que não apresenta os atributos divinos, que somente são reconhecidos no Pai e no Filho, e ela é substituída pelo conceito de Espírito Santo.
Mas Maria não é Deusa, e apenas um de seus aspectos é observado, a de coadjuvante de Deus, o que se reproduziu na sociedade patriarcal em que a mulher auxilia o homem, mas sempre lhe é inferior e, por isso, deve submeter-se à sua autoridade.
Constata-se que a ausência de uma Deusa nas mitologias pós-cristãs se deve ao predomínio do patriarcado. Esse predomínio nos trouxe uma sociedade norteada pelos valores do DEUS MACHO que implica na competição selvagem, na sobrevivência do mais forte, na violência ao invés da convivência, e do predomínio da razão sobre a emoção.
Mas a Deusa está ressurgindo, e desde a década de 60, com a descoberta da Terra como o bem mais alto a ser preservado, sob pena de não mais haver espécie humana, fez-se crescer a consciência ecológica, juntamente com o renascimento dos valores ligados à Deusa:
“A paz, a convivência na diversidade, a cultura, as artes, o respeito a outras formas de vida no planeta”.
Cultuar a Deusa hoje significa reconsagrar o Sagrado Feminino. Como seres humanos, sabemos que a nossa natureza contém aspectos masculinos e femininos. Aceitar e respeitar a Deusa como polaridade complementar do Deus é o primeiro passo para a cura de nossa fragmentação dualística interior.
Cultuar a Deusa não significa substituir o Deus ou rejeitá-lo. Deus e Deusa são as expressões da polaridade que permitiu que o Grande Espírito, o UNO, se manifestasse no universo. São os dois lados de uma mesma moeda. As duas faces do Todo, ou sua primeira divisão.
Assim, crer na Deusa e no Deus ainda é crer em um Ser Supremo que, ao se bipartir, criou o princípio masculino e o princípio feminino, o Yin e o yang, o homem e a mulher.
O homem pré-histórico desconhecia o papel do homem na reprodução, mas conhecia muito bem o papel da mulher. E ainda considerava a mulher envolta em uma aura mística, porque sangrava todo mês e não morria, ao passo que para qualquer dos homens sangrar significava morte. Portanto, a mulher devia ser muito poderosa, ainda mais que conhecia o "segredo" de ter bebês. É fácil entender porque a mulher era identificada com a Deusa, ou, melhor dizendo, porque a primeira divindade conhecida tinha que ter caracteres femininos, ainda mais quando as pessoas descobriram que a gravidez durava 10 lunações e a colheita e o suceder das estações seguia um ciclo de 13 meses lunares.
Devido à conexão entre a Lua e a mulher, a Deusa é cultuada em 3 aspectos:
- Donzela, que corresponde à Lua Crescente,
- Mãe representada na Lua Cheia e,
- Anciã, simbolizada na Lua Decrescente, ou seja, Minguante e Nova.
- Mãe representada na Lua Cheia e,
- Anciã, simbolizada na Lua Decrescente, ou seja, Minguante e Nova.
Na tradição da Deusa, a Donzela é representada pela cor branca e significa os inícios, tudo o que vai crescer, o apogeu da juventude, as sementes plantadas que começam a germinar, a Primavera, os animais no cio e seu acasalamento. Ela é a Virgem, não só aquela que é fisicamente virgem, mas a mulher independente e auto-suficiente.
Como Mãe a Deusa está em sua plenitude. Sua cor é o vermelho, sua época o verão. Significa abundância, proteção, procriação, nutrição, os animais parindo e amamentando, as espigas maduras, a prosperidade, a idade adulta. Ela é a Senhora da Vida, a face mais acolhedora da Deusa.
Por fim, a Deusa é a Anciã, que é a Mulher Sábia, aquela que atingiu a menopausa e não mais sangra, tornando-se assim mais poderosa por isso. Simboliza a paciência, a sabedoria, a velhice, o anoitecer, a cor preta. A Anciã também é a Deusa em sua face Negra de a Senhora da Morte. Aquela que precisa agir para que o eterno ciclo dos renascimentos seja perpetuado. Esta é o aspecto com que mais dificilmente nos conectamos, porém, a Senhora da Sombra, a Guardiã das Trevas e Condutora das Almas é essencial em nossos processos vitais. Que seria de nós se não existisse a morte? Não poderíamos renascer, recomeçar.
É fácil compreendermos porque a Religião da Deusa postula a reencarnação. Se fazemos parte de um universo em constante mutação, que sentido haveria em crermos que somos os únicos a não participar do processo interminável da vida-morte-renascimento?
Essa realidade existe no ciclo das estações, da colheita que tem que ser feita para que se reúnam as sementes e haja novo plantio.
É justamente por isso que aqueles que seguem o Caminho da Deusa celebram a chamada Roda do Ano, que marcam a passagem das estações. Ao celebrar as estações cremos que estamos ajudando no giro da Roda da Vida, participando assim de um processo de co-criação do mundo.
Nos últimos anos temos assistido o fenômeno chamado "Renascer da Deusa", ou seja, o ressurgimento do arquétipo do divino feminino na cultura, nas artes, na ciência e no psiquismo das pessoas.
Fazem parte desse renascimento a preocupação ecológica, as manifestações pela paz, o ressurgimento de religiões baseadas na natureza, colocando em alta os valores femininos: o respeito à Mãe Terra, o reconhecimento dos seres humanos como irmãos dos demais seres, a ênfase na conciliação dos sexos e das pessoas, ao invés da competição, a paz ao invés dos conflitos, as terapias naturais respeitando o corpo e a Terra, à volta dos oráculos (runas, tarot, geomancia) e das práticas xamânicas.
De certa maneira, a própria Igreja Católica participa dessa tendência de várias maneiras, colocando em evidência depois de muitos anos a figura de Maria. As religiões centradas na Deusa geralmente têm em comum o reconhecimento da natureza como a própria Deusa e, por isso, são designadas como Cultos ou Tradições Naturais.
Cultuar a Grande Deusa pode-se manifestar no culto a um ou mais dos arquétipos que a representam as diversas culturas do mundo. Assim, sejam as Lilith e a Shequinah judaicas, a Afrodite grega, a Ishtar sumérica, a babilônia Inanna, a havaiana Pele, a chinesa Kwan-In, a japonesa Amaterasu, a inca Ixchel, as africanas Yemanjá e Oyá, ou as hindus Sarasvati e Kali, sempre se estará prestando culto à mesma e única Deusa.
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"Todas as Deusas são uma só Deusa, todos os Deuses são um só Deus”.
__________________________Texto: Raul Tabajara (tabajara@ibge.gov.br)
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