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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

AMEAÇA DE POLÍTICA CULTURAL

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A constituição brasileira classifica a cultura como direito fundamental do cidadão. Esse direito deve, portanto, ser garantido pelo Estado. O direito cultural mais antigo e consagrado é o direito de autor. O direito à livre expressão vem logo após, seguido do direito a participar da vida cultural, decidir sobre a prática de sua escolha, acessar os mais diversos bens simbólicos. Os ventos ministeriais sopram, ora à sudeste, ora à nordeste. Num tempo brisa, noutro tempestade, mas devemos sempre nos perguntar: avançamos ou retroagimos na conquista desses direitos?
Lula assumiu prometendo ao povo e encomendando ao Ministro Gil a abertura de centros culturais por todos os cantos do Brasil. Uma verdadeira revolução cultural, como a implementada na França por André Malraux e consolidada por Jacques Lang. Surgiu o projeto das BACs, quem se lembra disso? Com ela o ainda inexplicado episódio que resultou na demissão de Antonio Pinho, acusado por Juca Ferreira de armar a favor de si e contra o Erário.
Muitas vozes do MinC dizem que o programa Cultura Viva já existia quando Celio Turino aportou na Esplanada com o difícil desafio de substituir o compadre de Gil, o homem que indicou o tropicalista à menos cobiçada pasta do Planalto. E que o traiu.
O fato é que Celio Turino colocou o primeiro edital dos Pontos de Cultura na praça em 40 dias. E foi construindo e tecendo uma das teias das mais interessantes da nossa história, contando com o apoio do seu partido, da bancada e uma série de atividades culturais instigantes e muito representativas da rica diversidade cultural do Brasil. Mas agora o
Cultura Viva agora é Mais!
Algum direito cultural foi garantido com o programa? É certo que sim, pelo menos o direito legítimo e inalienável daqueles pouquíssimos agraciados com os editais dos pontos. Sim, pouquíssimos, por mais que o MinC diga que “nunca nada tão grandioso fora realizado até então”. Confundo-me com as contas do MinC, mas acho que já passam de mil o número de credores do ministério, muito distante dos 20 mil prometidos.
Hoje recebi um telefonema intrigante do protagonista de um dos projetos mais emocionantes e decentes que já vi acontecer em terras brasileiras, em local bem distante dos grandes centros. A história é que ele havia perdido um dinheiro da Lei Rouanet por incompetência do MinC, que agora criou uma imensa burocracia para prejudicar os que não têm recursos para contratar os melhores advogados do Brasil, que conseguem aprovação de projetos com notificações, mandados e ações de inconstitucionalidade pela OAB, como é comum nos dias de hoje. O valor do patrocínio? R$ 30 mil, por mais que o MinC diga que Lei Rouanet só financia livros de mesa e espetáculos estrangeiros.
Pois não é que este mesmo respeitável empreendedor sociocultural foi agraciado com o edital dos Pontos de Cultura, depois de uma dessas difíceis pelejas a que os artistas estão submetidos em tempos de escambo político! O mais interessante é que esta é mais uma das inúmeras vozes que me perguntam: “devo entrar nessa roubada? Todos que viraram ponto não recebem do MinC, ficam devendo na praça, são considerados inadimplentes (pelos incompetentes) e ainda correm o risco de virar produto de um varguismo requentado e démodé”. O que fazer?
Desde que o MinC resolveu fazer o sucesso de seus empreendimentos à custa do desgaste do que “já existe e dá certo”, mesmo que não do jeito que gostaríamos (”não porque é do governo anterior, mas por que é perverso”), vimos a corda roer para o lado mais fraco dentre os milhares de proponentes em busca de um lugar de dignidade no patrocínio privado.
O ministro luta diariamente para minar a fonte de recursos da indústria cultural, do show business, dos projetos socioculturais, dos festivais, dos CDs, livros, espetáculos, negócios de interesse público e privado. Projetos de 30, 40, 100 mil, e também de 1, 2 ou 3 milhões de reais.
O Gil jamais faria isso, tenho certeza disso. Promovi fóruns empresariais com a presença do ministro-artista. Ele foi duro, exigiu responsabilidade de todos para com a cultura, mas não moveu uma palha para prejudicar a vida de qualquer produtor ou artista. Tentou o diálogo, não a coerção. Tentou a abertura, não a centralização. Foi-se o Gil ministro. Deixa saudades, como toda a sua equipe, enxotada do MinC apenas por discordar.
Mas vamos supor que Juca tenha razão. A Lei Rouanet é mesmo perversa (eu, pessoalmente, publico isso desde que o Juca não sabia o que era política cultural. Agora, veja só, sou obrigado a combater o tipo de apropriação que o governo faz dessa crítica). Pergunto, caro leitor, o que teremos em troca do esquartejamento público da Lei Rouanet? Ponto de Cultura? Quantos? E quanto mesmo paga o MinC a este Ponto, ou a um Griô? E a um mestre de cultura popular premiado? E a um projeto de cultura indígena? E depois, como ele garante a sua subsistência? Quer criar um mercado? Que mercado é esse?
Observo, comento e critico o mercado e as políticas culturais há 11 anos. Critiquei duramente a gestão do Weffort. Apoiei de corpo e alma a do Gilberto Gil, mas sou obrigado a discordar veementemente do comando de Juca Ferreira. Ultimamente, vejo os recursos cada vez mais concentrados nas mãos do próprio governo, que luta para aniquilar com qualquer outra possibilidade de sobrevivência do mercado cultural, para conquistar o seu objetivo de controle e mando sobre todas as formas de uma diversidade cultural sua, própria. É uma visão minha pessoal, não é isenta. Como nenhuma outra, aliás.
Peço que discordem de mim. Quero estar errado. Mas talvez tenhamos, todos nós, até mesmo Gilberto Gil, menosprezado o poder de Juca. Ele vai conseguir derrubar a Lei Rouanet. Estão todos calados, acuados, ameaçados. Todos com medo das ameaças do poder central. Derruba todos em seu caminho. E também vai me derrubar. Vai me calar, tenho certeza disso.
O discurso republicano ainda vive. Existe um conselho da sociedade civil escolhido por ele, editais públicos analisados por seus indicados, a consulta pública mescla-se com propaganda política, o diálogo confunde-se com comício. Anúncios na grande mídia, mas nenhum projeto de lei. Nenhuma proposta. Só ameaça!
Diz um amigo próximo do ministro e do mercado: “prefiro ficar na mão de 200 dos mais gananciosos banqueiros e agiotas a ficar na mão de um só Juca Ferreira”. Não há nada mais ameaçador do que isso.
Mas por que as pessoas vão ao comício do Juca? Por que o aplaudem de pé? Por que acreditam que as empresas vão patrocinar o MinC, como ele quer? Como supõem que a distribuição desta verba imaginária seja feita? Ou crêem que o fim da Lei Rouanet decretaria, num passe de mágicas, o surgimento um orçamento digno para a cultura? Pensam que é possível que a mesma equipe que triplica os impostos da cultura fará revelar o triplo de orçamento? Que quem tira centenas de pequenos patrocínios com uma mão, garantirá recursos autônomos e independentes com a outra?
Talvez eu esteja, como declarou Antonio Abujamra, velho demais para ter esperança. Mas tenho medo!
Talvez esteja sendo injusto demais com o governo. Ontem mesmo vi o ministro Mantega culpar os bancos por praticar no Brasil os juros mais altos do mundo. Talvez seja esta a nova forma de governar. Simplesmente fingir que não é com ele e culpar o mercado, como faz o seu colega mais pobre em relação ao mercado cultural. A culpa é do mercado que não sabe usar a lei. Somos todos culpados. O Juca é o herói!
Talvez o Juca esteja certo. Somos um setor privilegiado, devemos abrir mão da nossa mais consolidada e suada conquista, devemos pagar mais impostos, confiar tudo a ele: nossos direitos autorais, culturais, econômicos, civis e políticos. Vamos deixar a cultura ser produzida somente pelo governo. E por quem ele escolher.
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Texto Publicado em 30 de Janeiro de 2009 (Cultura e Mercado), por Leonardo Brant

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